6 de março de 2013

O Gótico







        Os templos católicos de estilo gótico construídos na Idade Média revelam toda a magia dos ocultistas e sociedades secretas da época.
Os sinais cabalísticos estão por toda a parte: nas altas colunas de mármore, nos capitéis, nos arcos, nos altares. Eles contam a história da construção das catedrais góticas — símbolos da religiosidade católica, mas também dos mais profundos mistérios da magia que imperava na Idade Média.
Estão ali rastros dos druidas (sacerdotes celtas que reverenciavam as florestas como divindades), visíveis na arquitetura que lembra um bosque petrificado. Estão também nas rosáceas - um dos mais importantes símbolos da ordem dos cavaleiros templários e dos maçons – desenhadas nos vitrais. Estão ali ainda os signos do zodíaco — prova de que a astrologia era admitida pelos papas da Igreja da época.
Enfim, Notre Dame, Chartres, Amien, Colônia e Duomo de Milão podem ser vistas como gigantescos livros de pedra, cuja leitura exige não só uma boa dose de conhecimento esotérico mas a capacidade de ver além da realidade.
Até a adoção do estilo gótico — que surgiu no início do milênio, no norte da França, e rapidamente se espalhou pela Itália, Alemanha, Inglaterra, Espanha e Áustria — os templos católicos eram erguidos segundo os princípios românicos: escuros como cavernas. Todo o seu peso se apoiava em suas largas paredes. Já as catedrais góticas são claras, exuberantes e sua sustentação está nas abóbadas. O gótico representa a verticalização da fé e convida a uma união com a divindade. Seus elementos seriam o fogo e o ar, que evocam a purificação iniciática e a elevação espiritual. Eles estão expressos em vitrais, torres e nas rosáceas vermelhas, cujas formas lembram labaredas.
A intenção dos arquitetos ao pintar as rosáceas era fazer com que a luminosidade criasse a sensação de um fogo iniciático, durante as vésperas e na hora mariana (horários canônicos correspondentes a 6 e 18 horas). Consideradas pantáculos (espécies de talismã) do cristianismo, as rosáceas são a principal fonte de entrada de luz no interior das catedrais góticas. Geralmente, há duas delas nas laterais e uma sobre a entrada principal — para os ocultistas, esta última rosácea é a fronteira entre o sagrado e o profano.
Na verdade, as rosáceas funcionam como um mapa das tradições que são transmitidas há séculos aos iniciados. "Uma das chaves para sua interpretação são as suas cores, as mesmas do arco-íris — um símbolo da aliança de Deus com o homem, no fim do dilúvio", diz o pesquisador Leo Reisler.
Também os alquimistas dão grande importância a esse elemento da arquitetura gótica. Até o final da Idade Média, a rosácea central era chamada de A Roda, que na alquimia significa o tempo necessário para o fogo agir sobre a matéria, transmutando-a. Essa visão é reforçada pelo esquema de incidência de luz sobre elas. A rosácea da lateral esquerda, por exemplo, nunca é iluminada pelo sol. É a cor negra, a matéria em seu estado bruto, a morte. Já a da direita, irradia, ao sol do meio-dia, uma luminosidade branca — a cor das vestes do iniciado que acaba de abandonar as trevas. Finalmente, a rosácea central, ao receber a luz do pôr-do-sol, parece incendiar-se, e banha o templo com um tom rubro, sinônimo da perfeição absoluta, da predominância do espírito sobre a matéria.




De acordo com mapeamento feito pelo pensador católico Bernard Clairveaux, fundador da Ordem Cisterciense, de monges beneditinos, as catedrais góticas ficam próximas de antigos menires (pedras sagradas), consideradas como centros de energia do mundo. Também a estrutura das catedrais góticas não parece resultado de simples cálculos arquitetônicos. De acordo com Fulcanelli, o grande alquimista que nos anos vinte escreveu O Mistério das Catedrais, o plano dessas igrejas tem a forma de uma cruz latina estendida no solo.
Na alquimia, essa cruz é símbolo do crisol, ou seja, do ponto em que a matéria perde suas características iniciais para se transmutar em outra completamente diferente. Nesse caso, a igreja teria então o objetivo iniciático de fazer com que o homem comum, ao penetrar em seus mistérios, renascesse para uma nova forma de existência, mais espiritualizada. Ainda segundo Fulcanelli, essa intenção é reforçada pelo fato de a entrada desses templos estar sempre voltada para o Ocidente.
Assim, ao se caminhar na direção do santuário, volta-se obrigatoriamente para o Oriente, o lugar onde nasce o sol, ou seja, sai-se das trevas e ruma-se para a Luz, em direção ao berço das grandes tradições espirituais. Esse convite à iniciação está presente até mesmo no piso, em que costuma haver a representação de um labirinto. Chamados de Labirintos de Salomão (rei bíblico, símbolo da sabedoria) eles costumam se localizar num ponto em que a nave (o espaço que vai da entrada do templo ao santuário) e os transeptos (os braços da cruz) se unem. Seu sentido alquímico é o mesmo do mito grego de Teseu, o herói que entra num labirinto a fim de combater o Minotauro. Após vencer o monstro - metade homem, metade touro - consegue voltar, graças ao fio que sua esposa Ariadne (aranha) lhe dera.
Filosoficamente, os labirintos são os caminhos que o homem percorre em sua vida: cedo ou tarde ele entrará em contato com seu monstro interior, isto é, seus defeitos de caráter. Quem consegue combater e vencer as próprias imperfeições (o Minotauro) e possui o fio de Ariadne (símbolo do conhecimento iniciático) consegue efetivamente ver a verdadeira Luz. Em Amiens, norte da França, essa alegoria torna-se clara, graças à existência de uma grande laje na qual se esculpiu um sol em ouro bem no centro do labirinto. Já em Chartres, havia antigamente uma pintura que mostrava todo o mito de Teseu.
Talvez o mais intrigante de todos os mistérios que envolvem a construção das catedrais é que nenhuma delas possui um autor, alguém que assine o projeto. Até hoje, o único tipo de identificação encontrado são marcas gravadas nas pedras. Essas marcas representam geralmente instrumentos de trabalho estilizados, como martelos e compassos, e era um tipo de registro profissional, que o mestre-de-obras usava para controlar o trabalho de cada um de seus obreiros.
Todo artesão possuía uma marca própria, que passava de pai para filho, de mestre para discípulo. Em função de guerras, pestes e outros flagelos, muitas vezes as obras das igrejas ficavam temporariamente interrompidas, e os trabalhadores viajavam, oferecendo seus serviços em outras cidades e países. Ganharam, assim, o nome de franc-maçons, ou pedreiros livres, cujas associações acabaram resultando na Maçonaria. Mas esta, embora detenha antigos conhecimentos esotéricos, se consolidou como ordem iniciática apenas em 1792.
Se a busca dos idealizadores do gótico ainda permanece um enigma, o estudo da origem da expressão 'arte gótica' apenas reforça a idéia de que sua inspiração é totalmente mística. Estudos etimológicos remetem às palavras gregas goés-goéts, de bruxo, bruxaria, que sugere a idéia de uma arte mágica. O alquimista Fulcanelli prefere associar 'arte gótica' a argot, que significa idioma particular, oculto, uma espécie de cabala falada, cujos praticantes seriam os argotiers (argóticos), descendentes dos argonautas. No mito grego de Jasão, eles dirigiam o navio Argos, viajando em busca do Tosão de Ouro. Jasão teria sido um grande mestre, que iniciava seus discípulos nos mistérios egípcios, inclusive na geometria sagrada, que é uma das chaves da arquitetura gótica.
Prova dessa herança egípcia está no fato de os construtores góticos disporem os símbolos que aparecem nos entalhes, nas estátuas, nos medalhões e vitrais de maneira que obedeçam sempre a uma seqüência que torna inevitável a associação de uns com os outros. Trata-se de um recurso egípcio de memorização que permite a apreensão de um grande número de informações, pois somos, sem perceber, levados a relacionar cada coisa ao local onde ela se encontra.