1 de agosto de 2011

MICHELANGELO - um período heróico



O Cinquecento emerge mudando a configuração de poder na península Itálica. O novo pontífice, Júlio II, sobe ao trono papal em 1503, disposto a consolidar a hegemonia romana sobre as demais potências vizinhas. Tendo debilitado o poder dos Bórgias, em Milão, Júlio II firma-se como guerreiro. Dois anos de pontificado já são suficientes para caracterizar a grandeza de suas pretensões de domínio.
Em março de 1505, Michelangelo é chamado a Roma por Júlio II. Começa então o período heróico de sua vida. A idéia proposta ao artista é a de construir um mausoléu babilônico que encerrasse em si a memória de um papado de conquistas.  Michelangelo propõe um túmulo de dimensões colossais, digno da Roma Antiga. Júlio II se entusiasma. Buonarroti passa oito meses em Carrara, selecionando os melhores e maiores blocos de mármore. Quando estes chegam à praça de São Pedro, provocam o assombro da população, ao mesmo tempo que excitam ainda mais as ambições do papa.
Michelangelo e o pontífice tornam-se íntimos. Vêem-se sempre para discutir o trabalho e tratam-se com certa ambilidade. Mas será uma amizade tumultuada pela inveja e por intrigas da corte. Bramante (1444 - 1514), arquiteto do papa, será o maior rival do genial florentino nesse embate. Trava-se entre ambos um duelo de titãs, mesclado de inveja  prefídias. Bramante persuade o papa a desistir do projeto e substituí-lo por outro: a reconstrução da praça de São Pedro. Em janeiro de 1506, Júlio II aceita os conselhos de Bramante. Sem consultar Michelangelo, decide suspender tudo. O artista sente-se humilhado. Um ano de trabalho em vão. A 15 de abril de 1506, deixa a cidade santa, sem destino e sem projetos, cheio de dívidas.
Exasperado, volta a Florença. Logo em seguida é chamado a Roma por Júlio II. O pontífice exige sua presença e tem novos planos para ele. Michelanelo recusa, mostra-se intransigente. Por fim, nos últimos dias de 1506, vitorioso em  Bolonha, animado por mais uma conquista, Júlio II se reconcilia com o artista. A nova incumbência que o aguarda é a construção de uma colossal estátua equestre do pontífice, em bronze, a ser erigida em praça bolonhesa. Um trabalho difícil, construído ao longo de quinze atormentados meses.
Michelangelo viveu mil acidentes na criação da obra. Escreveu ao irmão: "Mal tenho tempo de comer. Dia e noite, só penso no trabalho. Já passei por tais sofrimentos e ainda passo por outros que, acredito, se tivesse de fazer a estátua mais uma vez, minha vida não seria suficiente: é trabalho para um gigante." Mas o resultado não compensou. A estátua, quatro anos depois, seria destruída por uma facção política inimiga do papa e transformada em canhão.
Terminada a missão em Bolonha, de novo o papa quer Michelangelo sob suas ordens. Em 1508, ele chega a Roma, pasmado diante da nova tarefa que lhe é encomendada: a pintura do teto da Capela Sistina, um enorme afresco de cuja técnica pouco entende. O papa exigia dele quase o impossível. Mas não havia como recusar a encomenda. Michelangelo tem diante de si um desafio, sobretudo quando, na mesma época, Rafael (1483 - 1520), pleno de glória, pinta, no Vaticano, A Escola de Atenas e A disputa do Santo Sacramento.

Fonte: Mestres da Pintura - Abril Cultural






20 de junho de 2011

Michelangelo - Leonardo da Vinci




Michelangelo chega a Roma em junho de 1496. Esculpe o Cupido Adormecido, o Baco Ébrio, o Adônis Agonizante e outros trabalhos de inspiração clássica. Enquanto isso, em Florença, o monge fanático manda queimar obras de arte e livros, anatematizados como coisas do demônio.
                O furor moralista do profeta florentino, porém, não dura muito tempo. Em 1498, Savanarola é queimado em praça pública por heresia. Florença fervilha em revoltas. Em seu silêncio romano, Michelangelo esculpe a Pietà inovando a imagem da virgem, apresentada por ele com flagrante juventude, muito diferente do desespero das madonas ípicas de Donatello (1386 – 1466) ou Botticelli. São três anos de trabalho, com a saúde se alterando, sem dinheiro e atormentado pela família. Michelangelo precisará de mais alguns anos para esculpir o  colossal David, de Florença.
                Colocada em praça pública, num local determinado por Leonardo da Vinci, Filippo Lippi (1406 – 1469), Botticelli e Perugino (1445 – 1523), a colossal estátua traumatiza  a população que, à noite, por várias vezes a apedreja. Foi necessário colocar uma guarda de vigilância para protegê-la.
                Para Michelangelo, porém, foi a consagração definitiva. Vive em Florença um período de calma. Sob os céus florentinos estão os dois maiores gênios da Renascença: Michelangelo Buonarroti e Leonardo da Vinci se cruzam, mas não se toleram. A animosidade, porém, não é bastante para impedir que se defrontem. Ambos são contratados para decorar a sala do Conselho, no Palácio da Senhoria. De um lado, Leonardo pintará a Batalha de Anghiari, quando as tropas florentinas se impuseram às milanesas. De ouro lado, Michelangelo estará pintando a Batalha de Cascina. Ambos não chegaram a concluir seus trabalhos. A história não permitiu que os dois artistas se medissem em paralelo tão imediato: Leonardo abandonou sua obra em 1506, frustrado com o fracasso das novas técnicas que procurou desenvolver para o afrresco; Michelangelo não conseguiu ir além do esboço da encomenda.
                São dessa época dois baixos-relevos circulares, a Madona e o Menino, como também a primeira pintura que se conhece de Michelangelo, o famoso tondo (pintura circular) A Sagrada Família , pintado nos anos de 1503/04. As formas e as cores dessa tela fizeram com que, posteriormente, os críticos a definissem como obra precursora do Maneirismo.

fonte: Mestres da Pintura, Abril Cultural

11 de junho de 2011

MICHELANGELO e o aprendizado com Ghirlandaio



Michelangelo Buonarroti, filho de uma família burguesa florentina, nasceu a 6 de março de 1475, em Caprese, província florentina. Seu pai, Ludovico di Leonardo Buonarroti Simoni, era homem de posses, patriarca violento, “temente a Deus”. A mãe, Francesca di Neri di Miniato Del Sera, morrreu quando Michelangelo tinha seis anos. Eram cinco irmãos: Lionardo, Michelangelo, Buonarroti, Giovani Simoni e Sigismundo. Com a morte da mãe e o segundo casamento do pai, Michelangelo foi entregue aos cuidados de uma ama, sendo encaminhado à escola ainda muito jovem. No colégio, enchia os cadernos de exercícios com  desenhos, totalmente desinteressado das lições sobre as outras matérias.
As primeiras manifestações artísticas do pequeno Michelangelo não foram vistas com bons olhos pela família. Não obstante, contra a vontade do pai, aos treze anos ingressou como aprendiz no atelier do famoso pintor Domenico Ghirlandaio (1449 – 1494)
O jovem discípulo, já em seus primeiros trabalhos mostra-se capaz de superar o mestre. Além disso, considera a pintura uma arte limitada: busca uma expressão mais ampla e monumental. Assim, não passa mais que um ano com Ghirlandaio, sendo levado a freqüentar a escola de escultura dirigida por Bertoldo di Giovanni (1420 - !491) e sustentada por Lourenço de Medici.
Nos jardins de São Marcos, local onde ficava a escola de Lourenço de Medici, Michelangelo vive em pleno ambiente físico e cultural do Renascimento italiano. A atmosfera, poética e erudita, evoca a magnificência da Grécia Antiga, seu ideal de beleza – baseado no equilíbrio das formas – sua concepção de mundo – a filosofia de Platão. Voltando seus sentimentos para os modelos gregos, produz os primeiros trabalhos em mármore: O Combate dos Centauros e dos Lápitas, a Máscara do Fauno Rindo e o baixo relevo A Madona na Escada. O artista conquista a atenção pessoal de Lourenço, freqüenta-lhe a mesa, faz-se amigo de seu protetor.

Em 1490, Michelangelo tem quinze anos. É o ano em que Savonarola, o monge dominicano, começa a conquistar o apoio da cidade, com suas pregações fanáticas. O anúncio de que a ira de Deus em breve desceria sobre a cidade atemoriza o jovem artista: sonhos e terrores apocalípticos povoam suas noites. Lourenço, o Magnífico, morre em 1492. Michelangelo deixa a corte, voltando à casa paterna. Logo depois, Pedro, filho de Lourenço, contrata-lhe os serviços. Esculpe em mármore um colossal Hércules, estátua que, após passar por várias mãos, ficou em Fontainebleau por ordem de Francisco I, rei da França, até desaparecer misteriosamente no século XVII.
Em 1494, com a revolução que colocou Savonarola como chefe da República florentina, Michelangelo vê-se obrigado a fugir para Veneza. Longe do caos em que se convertera a aristocrática cidade dos Medicis, o jovem artista se acalma. Passa o inverno em Bolonha, onde o torpor da fé e do fanatismo não o atingem. Lê Dante (1265 – 1321), Boccaccio (1313 - !375), Petrarca (1304 – 1374).  É o mais pagão dos artistas.

Fonte: Mestres da Pintura, Abril Cultural

7 de junho de 2011

A Sabedoria dos Poetas

Compartilho pela beleza, profundidade e sensibilidade. 


A Sabedoria dos Poetas


Filosofia Esotérica em Forma de Versos   
 Carlos Cardoso Aveline
Desde a mais remota antiguidade, a literatura oral utilizou versos e lendas para transmitir de geração em geração a sabedoria espiritual acumulada. 
Os versos ritmados facilitavam a memorização do ensinamento. Assim eram abordados a vida, a morte, o amor, a guerra, o absoluto - e o universo. Poetas de todos os povos e tempos mergulham na  fonte de sabedoria que está acima da mente consciente.  Dali eles trazem para o mundo visível  ritmos, estruturas,  mantras, imagens cósmicas e padrões vibratórios que elevam o foco da consciência humana.
Há poesias que são verdadeiros tratados sobre a caminhada espiritual. As escrituras das grandes religiões incluem poemas.  Entre os sábios que usaram versos estão Jalaludin Rumi, Kabir, São João da Cruz, São Francisco de Assis, Lao-Tzu e inúmeros outros místicos budistas, cristãos, taoístas, islamistas, judeus ou hinduístas. Centenas de poetas têm expressado lições da sabedoria universal. Entre eles estão William Wordsworth, Alfred Tennyson,  Christina Rossetti, Walt Whitman, Jorge Luis Borges,  Rabindranath Tagore e a brasileira Cora Coralina.
Vejamos, como um exemplo entre muitos, o modo como o poeta  Mário Quintana (1906-1994) aborda o tema da morte. Com imagens fortes em versos vigorosos, Quintana  não só sugere a possibilidade da reencarnação, mas também  faz com que aceitemos em paz a nossa  fragilidade física, ao revelar de modo certeiro a nossa imortalidade essencial:
Da primeira vez em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...
    
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada ...
Como o único bem que me ficou!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar a luz sagrada!
Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz,  trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca! [1] 
A consciência de que estamos de passagem no mundo ensina que a vida é curta e deve ser administrada corretamente. Este fato torna aconselhável vencer a  preguiça. A lição é simples, quase óbvia, mas, ainda assim,  aprendê-la de fato é difícil.  Os sábios usam o seu tempo de vida  para compreender a si mesmos e ao cosmo em níveis cada vez mais elevados. Para eles, morrer é um ato  inseparável da vida.
Quem morre a cada instante para o passado é capaz de renascer a todo momento para a vida eterna. No seu livro Viagem a Ixtlán, Carlos Castaneda diz que a morte é  conselheira do guerreiro espiritual. E há um poema em que  Mário Quintana fala da morte, ou transcendência, como sua amiga pessoal:
Minha morte nasceu quando eu nasci.
Despertou, balbuciou, cresceu comigo...
E dançamos de roda ao lugar amigo
Na pequenina rua em que vivi.
  
Já não tem mais nada daquele jeito antigo
De rir e que, ai de mim, também perdi!
Mas inda agora a estou sentindo aqui,
Grave e boa, a escutar o que lhe digo:
 Tu que és a minha doce Prometida,
 Nem sei quando serão as nossas bodas,
 Se hoje mesmo... ou no fim de uma longa vida...
 E as horas lá se vão, loucas ou tristes ...
 Mas é tão bom, em meio às horas todas,
 Pensar em ti ... saber que tu existes! [2] 
A cada morte corresponde um renascimento. O tema da reencarnação aparece com clareza na poesia de Olavo Bilac (1865-1918). Para ele, também, a evolução do nosso espírito imortal não ocorre em uma única vida. Diz Bilac: 
Outras almas talvez já foram tuas:
Viveste em outros mundos ... De maneira
Que em misteriosas dúvidas flutuas,
Vida, de vidas múltiplas herdeira!
Servo da gleba, escravo das charruas,
Foste, ou soldado errante na sangueira,
Ou mendigo de rojo pela ruas,
Ou mártir na tortura e na fogueira...
Por isso, arquejas num pavor sem nome,
Num luto sem razão: velhos gemidos,
Angústias ancestrais de sede e fome,
Dores grandevas, seculares prantos,
Desesperos talvez de heróis vencidos,
Humilhações de vítimas e santos ...  [3]  
“Sangueira”, por onde vai o soldado errante, é a batalha, o derramamento de sangue.  “Dores grandevas” são dores que duram  tempos imensos.
Os bons poetas têm saudade do que é eterno.  Sentem-se mais ou menos exilados neste tipo miúdo de espaço-e-tempo em que vive o mortal comum,  com seus dias de semana, sua pressa, seu tempo contado em minutos. O poeta prefere  os grandes temas da filosofia esotérica. A teosofia ensina que existe o Devachan,  um “local” divino entre uma existência terrestre e outra.  O Devachan é  um longo sonho abençoado que dura milênios. É um estado de espírito elevado. Nele, a alma imortal do indivíduo recorda e vivencia, durante uma pequena eternidade, o que houve de melhor e de mais espiritual em sua vida passada. A alma só sai do Devachan no  momento de preparar-se para voltar ao mundo, descansada e purificada,  e viver mais um período de aprendizado ativo.
O Devachan corresponde aos Campos Elísios da tradição greco-romana,  à  Terra Pura do budismo japonês e à  Terra Sem Males dos índios tupi. Helena Blavatsky disse que o devachan tem certa similaridade simbólica com o céu da tradição cristã. 
Olavo Bilac não só escreveu um longo poema dedicado a Gautama Buda,  mas também   compôs inúmeros versos carregados de sabedoria espiritual. E há um poema de Bilac em que o poeta -  cansado dos sofrimentos do mundo - parece sentir, claramente,  saudades do Devachan. 
Diz Bilac: 
Quem o encanto dirá destas noites de estio?
Corre de estrela em estrela um leve calafrio
Há queixas doces no ar... Eu, recolhido e só,
Ergo o sonho da terra, ergo a fronte do pó,
Para purificar o coração manchado,
Cheio de ódio, de fel, de angústia e de pecado...
Que esquisita saudade! – Uma lembrança estranha
De ter vivido já no alto de uma montanha,
Tão alta, que tocava o céu... Belo país,
Onde, em perpétuo sonho, eu vivia feliz,
Livre da ingratidão, livre da indiferença,
No seio maternal da Ilusão e da Crença!
Que inexorável mão, sem piedade, cativo,
Estrelas, me encerrou no cárcere em que vivo?
Louco, em vão, do profundo horror deste atascal,
Bracejo, e penso em vão, para fugir do mal!
Por que, para uma ignota e longínqua paragem,
Astros, não me levais nesta eterna viagem?
Ah! Quem pode saber de que outras vidas veio?
Quantas vezes, fitando a Via-Láctea, creio
Todo o mistério ver aberto ao meu olhar!
Tremo... e cuido sentir dentro de mim pesar
Uma alma alheia , uma alma em minha alma escondida
 - O cadáver  de alguém de quem carrego a vida ...  [4]
Além de Mário Quintana e Olavo Bilac, o tema da reencarnação aparece na obra de outro grande poeta  brasileiro, o mineiro Augusto de Lima (1859-1934). [5]   
Sobre o mesmo tema, o pensador paraibano Augusto dos Anjos (1884-1914) escreveu no poema “Dolências”:
Eu fui cadáver, antes de viver!....
- Meu corpo, assim como o de Jesus Cristo,
Sofreu o que olhos de homem não têm visto
E olhos de fera não puderam ver!
Acostumei-me, assim, pois, a sofrer
E acostumado a assim sofrer, existo...
Existo! ... - E apesar disto, apesar disto
Inda cadáver hei também de ser!
Quando eu morrer de novo, amigos, quando
Eu, de saudades me despedaçando,
De novo, triste e sem cantar, morrer,
Nada se altere em sua marcha infinda
- O tamarindo reverdeça ainda,
A lua continue sempre a nascer! [6]
O místico e o poeta necessitam de sossego.
Ninguém desenvolve uma visão profunda da vida se não viver de modo calmo e pacífico.  Só quem se afasta da praia agitada da mente superficial pode, de fato,  navegar no oceano da sabedoria eterna.  
Por isso o poeta inglês Alexander Pope  escreveu, no século 18,  sua “Ode à Solidão”, um  hino à simplicidade voluntária. Mesmo perdendo  a musicalidade das palavras inglesas, traduzo a seguir os versos do poema:    
Feliz quem limita seus desejos e atividades
aos poucos  hectares paternos,
contente de respirar o ar nativo
em suas próprias terras.
Lá o gado dá o leite, os campos fornecem o pão,
as ovelhas possibilitam o traje;
as árvores lhe dão sombra no verão, 
e lhe garantem fogo no inverno.
   
Abençoado quem vê sem preocupação 
os dias e as noites passarem;
com saúde no corpo, e  a mente em paz;
em sossego de dia,
e com sono profundo à noite;  estudo
e descanso combinados; doce lazer;
e com inocência, que se adapta melhor
à meditação.
Que eu viva assim, desconhecido, esquecido;
que  eu morra assim, sem ser lamentado,
longe do mundo;
e que nem sequer uma pedra diga
onde fica o meu local de descanso.  [7]
A simplicidade voluntária e a aceitação dos limites naturais da vida nos tornam mais capazes de perceber a beleza ilimitada do mundo.
A indiferença diante de dor e prazer pessoais nos livra de ilusões e revela a fonte da satisfação eterna. 
A teosofista inglesa Ianthe Hoskins mostrou em um poema que só sendo forte alguém pode ser sábio, e assim andar sem  muletas.  Traduzo:
Não há um caminho para mim, nenhum Deus, nenhum guia;
Eu me afasto de luzes e de mãos que dão indicações.
Não tenho espada, bengala ou amigo a meu lado:
Busco um lugar desconhecido, solitariamente, sem armas.
Com dedos feridos e pés sangrando,
Avanço só, enquanto ao meu redor, e diante de mim,
Um inimigo após o outro me ataca, e eu os saúdo
Como amigos que me levam ao local desconhecido.
Não me dê conselho, não ofereça ajuda.
Não há estrela em minha noite impenetrável;
Solitariamente, solitariamente deve ser feita minha jornada
Da escuridão daqui até a Luz de mais além.
É assim que o peregrino saberá de onde veio, e
A faísca se unirá com a chama eterna. [8]
O eu inferior, nossa personalidade externa,  avança pela vida sangrando e sofrendo, mas ligado à sua fonte de inspiração. O eu superior, supremo,  está acima do plano da dor. Ele vive a bem-aventurança sem limites.
A poeta brasileira Cecília Meireles dá alguns conselhos práticos para quem busca horizontes mais largos que os do eu inferior: 
Não sejas o de hoje.
Não suspires por ontens ... 
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens.
Em todas as existências.
Em todas as mortes.
E sabe que serás assim para sempre.
Não queiras marcar a tua passagem.
Ela prossegue:
É a passagem que se continua.
É a tua eternidade ...
É a eternidade.
És tu. [9]
As diferentes dimensões da vida são inseparáveis entre si. Matéria e energia são intercambiáveis. O espírito habita a substância física e dá vida a ela. O  eterno existe dentro do instante presente.   
Ao descrever o seu Nirvana individual,  o poeta Augusto dos Anjos cita não só o filósofo alemão Arthur Schopenhauer - discípulo leigo da filosofia esotérica oriental – mas também  menciona as Ideias Abstratas da filosofia platônica:
No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero,
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!
Nessa manumissão schopenhaueriana,
Onde a Vida do Humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero,
Na imanência da Ideia Soberana!
Destruída a sensação que oriunda fora
Do tato – ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebeias -
Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Ideias! [10]
NOTAS:
[1] “Mário Quintana -- 80 Anos de Poesia”,  org. Tânia Franco Carvalhal,     Ed. Globo,  SP,  ver p. 13.
[2] “Mário Quintana -- 80 Anos de Poesia”,  obra citada, p. 15.
[3]  Olavo Bilac – Poesias, Posfácio de R. Magalhães Jr., Edições Ediouro, SP, ver p. 189, poema “A Um Triste”.
[4] “Olavo Bilac – Poesias”, obra citada,  pp. 94-95, poema intitulado “Midsummer’s Night Dream”.
[5] Veja, por exemplo, o poema “Nostalgia Panteísta”,  na seção temática “Poemas Filosóficos de Augusto de Lima”, do website  www.filosofiaesoterica.com .
[6] “Augusto dos Anjos - Obra Completa”, Ed. Nova Aguilar,  RJ, 2004, 884 pp., ver p. 489.   
[7] “Essay on Man and Other Poems”, Alexander Pope, Dover Publications, Inc., Nova Iorque, EUA, 98 pp., ver p. 01.
[8] Poema  “The Search”, no livro “Reflections on Time, Duration and Immortality”, de Ianthe Hoskins,  Theosophical Publishing House, Londres, 2001, ver  p. 37.
[9] “Cânticos”, Cecília Meireles, Editora Moderna Ltda., SP, 1983, Poema II.
[10] “Augusto dos Anjos - Obra Completa”, Ed. Nova Aguilar,  RJ, 2004, obra citada,  ver p. 310, Poema intitulado “O Meu Nirvana”.
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O texto acima foi  revisado em fevereiro de 2010, especialmente para www.filosofiaesoterica.com .   Ele havia sido publicado originalmente  na revista “Planeta”, de São Paulo, edição de setembro de 2001.  
Veja as seções temáticas  “Poemas Filosóficos de Vários Autores” e “Poemas Filosóficos de Augusto de Lima”,  no website www.filosofiaesoterica.com .
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5 de junho de 2011

MICHELANGELO, A EXPRESSÃO DO BELO



O que melhor caracteriza a arte do Quattrocento é sua unidade – a força de efeitos expressando impressões únicas, ainda que baseadas em mil cores e detalhes. Comparado às obras da Idade Média, um trabalho artístico da Renascença transmite sempre um sentido de totalidade e conjunto, simples e homogêneo. Seu destino é a liberdade, a afirmação do homem comum, de seus sentimentos e desejos, frente à religiosidade das concepções medievais.
No Renascimento, o conceito de belo é expressado por meio da conexão lógica entre partes singulares de um todo, o ritmo matemático de uma composição, a harmonia das relações de um número, o fim das contradições entre as figuras, o espaço e as partes do espaço entre si. A representação parte de um motivo central, ordenando a composição de modo que ele expresse seus sentimentos num só olhar de conjunto. Todo o desenvolvimento da arte se articula num processo de racionalização com vistas a esse objetivo.
É quando a arte começa a manter estreita relação com a ciência. A geometria, a anatomia, a fisiologia, os estudos sobre luz e cor, a matemática, a ótica e a mecânica instrumentalizam o artista para o manejo do espaço, na descoberta do corpo humano, no sentido do movimento e das proporções. Predomina a idéia de que as matemáticas compõem um corpo comum, tanto das artes como das ciências, pois a teoria das proporções e o estudo da perspectiva se identificam nas disciplinas matemáticas.
No Cinquecento, os laços que unem ciência e arte se afrouxam. Os dois campos do conhecimento se servem, porém, conquistando maior autonomia um frente ao outro. E nisso, a personalidade do artista se liberta ainda mais dos preceitos. Para Leonardo, inclusive, se a pintura era uma ciência exata da natureza, também estava acima das demais ciências, na medida em que era expressão de um indivíduo, de suas aptidões natas.
O Renascimento tem seus primeiros dias no século XIV como um movimento essencialmente italiano. A Itália é então a região mais desenvolvida da Europa, onde a burguesia se emancipa mais imediatamente do poder da nobreza. É também onde a velha nobreza assimila melhor e rapidamente os valores da emergente aristocracia do dinheiro. E é onde surge a primeira organização bancária européia. As novas classes dominantes serão o esteio de uma nova arte, promovendo um renascimento de mentalidades, em oposição às superadas concepções medievais.
Por toda a Itália encontravam-se espalhados os monumentos da tradição clássica do período de ouro do Império Romano; eles servirão de modelo à nova significação do trabalho artístico.

Fonte: Mestres da Pintura, Abril Cultural
O Quatrocento, ou Quattrocento, são os eventos culturais e artísticos do século XV na Itália, analisados em conjunto. Engloba tanto o final da Idade Média (arte gótica e Gótico Internacional), quanto o começo do Renascimento. Os artistas se voltaram mais às formas clássicas da Grécia e Roma.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Quatrocento

30 de maio de 2011

MICHELANGELO – o gênio absoluto





“Não sou o escultor Michelangelo. Sou Michelangelo Buonarroti”.


O que levaria esse homem – símbolo de seu tempo, expressão máxima de uma época – a rejeitar-se como profissional, personalizando de tal modo sua atividade que ela passou a se constituir em sinônimo de seu próprio nome?
Michelangelo encarnou, com plenitude, a idéia do gênio – a mais característica concepção artística do Renascimento, onde a obra torna-se criação de uma personalidade autônoma, acima das tradições, dos preceitos, das doutrinas e até mesmo da própria obra. Daí seu nome ter mais significado do que sua atividade profissional. Nesses termos, Michelangelo foi um artista moderno, homem solitário, cujo talento poderoso movia seus braços, seu rosto, seus dedos e seus olhos, à procura do belo, retratado com cinzéis, marcado nas paredes e nas telas.
A vida de Michelangelo, em suas muitas contradições, angústias e conquistas, atravessou todo o processo de desenvolvimento do Quattrocento e do Cinquecento: do Classicismo ao Maneirismo. No momento de sua morte, assentadas as discussões do Concílio de Trento, o Velho Mundo encaminha-se, impulsionado pela Contra-Reforma, para novo período histórico. Paralelamente, implanta-se uma nova estética: o Barroco.
Numa época em que a religião perde o controle sobre a vida intelectual e esta procura maior autonomia, a arte busca em si mesma um sentido e uma finalidade. A produção intelectual toma corpo como propriedade privada. A genialidade é o talento, o valor maior que se sobrepõe como afirmação do trabalho artístico.
Nos seus 89 anos de vivência no mundo das artes e no universo social europeu, Michelangelo ascendeu a uma estatura jamais alcançada anteriormente por qualquer outro artista. Viveu um tempo de gênios e de obras grandiosas, numa época de grandes transformações nas mentalidades, na economia e na política. Na península Itálica, entrecruzavam-se então Botticelli (1444/45? – 1510), Bramante (1444 – 1514), Rafael (1483 – 1520), Veronese (1528 – 1588), Antonello da Messina (1430 – 1479), Piero della Francesca (1410/20? – 1492), e, um pouco antes, Masaccio (1401 – 1428?), Fra angelico (1387 – 1455). Na literatura, surgiam as obras de Maquiavel (1469 – 1527), Tasso (1544 – 1595), Boiardo (1441 – 1494), Ariosto (1474 – 1533).
Distinguindo-se desses intelectuais e artistas pela variedade e plenitude de sua produção, Leonardo da Vinci (1452 – 1519) equipara-se a Michelangelo na projeção gigantesca que as obras de ambos tiveram como modelos através da história. Não obstante, a arte de Leonardo corresponde a uma cosmogonia aristotélica; a de Michelangelo, por sua vez, reflete concepções neoplatônicas assimiladas na corte de Lourenço de Médici, o Magnífico.


Fonte: Mestres da Pintura, Abril cultural

23 de maio de 2011

Michelangelo Buonarrotti - o homem

"Eu avanço sozinho por caminhos ainda não trilhados."



Corajoso ou covarde, desconfiado ou generoso, rebelde ou dócil, intolerante ou humilde, racional ou supersticioso, atormentado sempre, apaixonado sempre, solitário sempre, Michelangelo escapa a cinco séculos de esforços por catalogá-lo, foge a todos os diagnósticos simplistas - neurastênico, masoquista, desajustado social, hipocondríaco, homossexual, megalomaníaco, visionário - evade-se de quaisquer rótulos, menos de um: gênio.
Raras vezes a designação de gênio terá sido tão apropriada para descrever a potência de uma inesgotável capacidade criadora e a variedade de formas pelas quais ela se exprimiu: escultor insuperável numa época em que Donatello e Verrocchio elevavam a escultura italiana a um nível só antes atingido pelos gregos; pintor que revolucionou a concepção da pintura mural com os afrescos da Capela Sistina, numa época em que Masaccio, Rafaello, Leonardo da Vinci, Paolo Uccello, Botticelli, Ghirlandaio e tantos outros abriam à Europa novos horizontes expressivos; poeta maior no país que viu nascer o soneto - um multiforme e assombroso engenho animava todas as suas manifestações. Sua pintura, suas estátuas, sua poesia, sua correspondência, sua arquitetura, situam-no definitivamente, ao lado do extraordinário Leonardo da Vinci, como o maior nome do Renascimento.
O traço que o distingue imediatamente e o acompanha ao longo de sua vida feita de trabalho e dor é a paixão. Foi com uma intensidade desmesurada e total que se entregou à arte, ao amor, ao próprio desespero. Assim, justamente esse máximo expoente do Renascimento clássico da Itália é no tempo um dos primeiros temperamentos românticos por excelência. Sua personalidade arrebatada comportava uma tristeza inextirpável, um pessimismo e uma melancolia presentes em toda a sua obra e em sua visão do mundo.
Como o albatroz a que Baudelaire comparou o poeta entre os mortais - " suas asas imensas o impedem de avançar" -, Michelangelo foi necessariamente um solitário. Como Beethoven viveria isolado pela incompreensão de seus contemporâneos e pela surdez crescente, como Bach passaria despercebido em toda a sua sublime grandeza entre os alemães do século XVII, Michelangelo foi combatido sem tréguas por todos os que invejavam a grandeza sobre-humana de sua genialidade.

Fonte: Gênios da Pintura Editora Abril Cultural.





7 de maio de 2011

La Cumparsita Julio Sosa

La Cumparsita

Julio Sosa

Composição : Celedonio Esteban Flores
Pido permiso señores
que este tango... este tango habla por mi
y mi voz entre sus sones dira
dira por qué canto asi
porque cuando pibe
porque cuando pibe me acunaba en tango la canción materna
pa' llamar el sueño
y escuche el rezongo de los bandoneones
bajo el emparrado de mi patio viejo
porque vi el desfile de las inclemencias
con mis pobres ojos llorosos y abiertos
y en la triste pieza de mis bueos viejos
canto la pobreza su canción de invierno
y yo me hice en tangos
me fui modelando en barro, en miseria
en las amarguras que da la pobreza
en llantos de madre
en la rebeldia del que es fuerte y tiene que cruzar los brazos
cuando el hambre viene
y yo me hice en tangos porque...!porque el tango es macho!
!porque el tango es fuerte!
tiene olor a vida
tiene gusto... a muerte
porque quise mucho, y porque me engañaron
y pase la vida masticando sueños
porque soy un arbol que nunca dio frutos
porque soy un perro que no tiene dueño
porque tengo odios que nunca los digo
porque cuando quiero, porque cuando quiero me desangro en besos
porque quise mucho, y no me han querido
por eso, canto, tan triste...
!por eso!

 

 

Julio Sosa

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Julio Sosa
Julio María Sosa Venturini (Las Piedras, 2 de fevereiro de 1926Buenos Aires, 26 de novembro de 1964).Foi um cantor uruguaio. Ganhou o cognome de El varón del tango.
Muitos aficionados do tango o tem como o intérprete responsável pelo renascimento do tango no período pós-gardeliano.
Em seu país de origem foi engraxate, faxineiro de trens e marinheiro. Começou a carreira ainda no Uruguai, com a orquestra de Carlos Gilardoni, chegando a gravar em 1948 e 1949 alguns fonogramas pelo selo Sondor, de Montevidéu. Iniciou a sua carreira, na Argentina, com a virtuosa orquestra de Luis Caruso. Seguidamente, actou na orquestra de Francisco Rotundo; neste período foi operado à garganta. Quando se restabeleceu, optou pelo conjunto de Francini Pontier. Acabou a sua carreira no conjunto de Leopoldo Federico.
Tentou-se, depois de sua trágica morte em um acidente automobilístico, reviver o mito Gardel através de sua pessoa, em um momento em que o tango já se apresentava em declínio com a invasão de ritmos de procedência britânica e estadunidense, principalmente.
Foi velado no famoso ginásio Luna Park, como já tinham sido os restos mortais de Carlos Gardel e Agustín Magaldi, nos anos 1930.

Fontes

6 de maio de 2011

Dança


"Louvada seja a dança,
ela libera o homem
do peso das coisas materiais,
e une os solitários
para formar sociedade.

Louvada seja a dança,
que exige tudo e fortalece
a saúde, uma mente serena
e uma alma encantada.

A dança significa transformar
o espaço, o tempo e o homem,
que sempre corre perigo
de se perder - ser ou somente cérebro, ou só vontade
ou só sentimento.

A dança, porém, exige
o ser humano inteiro,
ancorado no seu centro,
e que não conhece a vontade
de dominar gente e coisas,
e que não sente a obsessão
de estar perdido no seu ego.

A dança exige o homem livre e aberto
vibrando na harmonia de todas as forças.

Ó homem, ó mulher, aprenda dançar
senão os anjos no céu
não saberão o que fazer contigo."

(Augustinus - Santo Agostinho, 354 - 430) (recebi de Cecília Camargo)
**Poema atribuido a Sto Agostinho.
Compartilhando da amiga Gena Tereza

3 de maio de 2011

"Quando danças, queria que fosses como a onda do mar, para que nunca fizesse outra coisa."
Shakespeare

28 de abril de 2011

Nostalgia Panteísta


 Um Poema Clássico Sobre  Oceano e Reencarnação 

Augusto de Lima

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O poeta brasileiro Augusto
de Lima viveu de 1859 a 1934
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Um dia, interrogando o níveo seio
De uma concha voltada contra o ouvido,
Um longínquo rumor, como um gemido,
Ouvi plangente e de saudades cheio.
Esse rumor tristíssimo, escutei-o:
É a música das ondas, é o bramido,
Que ela guarda por tempo indefinido,
Das solidões marinhas de onde veio.
Homem, concha exilada, igual lamento
Em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento
Aos recessos do espírito volveres.

É de saudade, esse lamento humano,
De uma vida anterior, pátrio oceano,
Da unidade concêntrica dos seres.


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O poema “Nostalgia Panteísta” é reproduzido aqui conforme consta no volume “Poesias”, de Augusto de Lima, publicado por H. Garnier Livreiro-Editor, Rio de Janeiro e Paris, edição de 1909, 300 pp., ver p. 132. 
 
Outros poemas filosóficos do pensador mineiro Augusto de Lima (1859-1934) estão publicados neste website. 
 
Para saber mais sobre teosofia e sabedoria universal, visite sempre www.filosofiaesoterica.com .
 
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