“Não sou o escultor Michelangelo. Sou Michelangelo Buonarroti”.
O que levaria esse homem – símbolo de seu tempo, expressão máxima de uma época – a rejeitar-se como profissional, personalizando de tal modo sua atividade que ela passou a se constituir em sinônimo de seu próprio nome?
Michelangelo encarnou, com plenitude, a idéia do gênio – a mais característica concepção artística do Renascimento, onde a obra torna-se criação de uma personalidade autônoma, acima das tradições, dos preceitos, das doutrinas e até mesmo da própria obra. Daí seu nome ter mais significado do que sua atividade profissional. Nesses termos, Michelangelo foi um artista moderno, homem solitário, cujo talento poderoso movia seus braços, seu rosto, seus dedos e seus olhos, à procura do belo, retratado com cinzéis, marcado nas paredes e nas telas.
A vida de Michelangelo, em suas muitas contradições, angústias e conquistas, atravessou todo o processo de desenvolvimento do Quattrocento e do Cinquecento: do Classicismo ao Maneirismo. No momento de sua morte, assentadas as discussões do Concílio de Trento, o Velho Mundo encaminha-se, impulsionado pela Contra-Reforma, para novo período histórico. Paralelamente, implanta-se uma nova estética: o Barroco.
Numa época em que a religião perde o controle sobre a vida intelectual e esta procura maior autonomia, a arte busca em si mesma um sentido e uma finalidade. A produção intelectual toma corpo como propriedade privada. A genialidade é o talento, o valor maior que se sobrepõe como afirmação do trabalho artístico.
Nos seus 89 anos de vivência no mundo das artes e no universo social europeu, Michelangelo ascendeu a uma estatura jamais alcançada anteriormente por qualquer outro artista. Viveu um tempo de gênios e de obras grandiosas, numa época de grandes transformações nas mentalidades, na economia e na política. Na península Itálica, entrecruzavam-se então Botticelli (1444/45? – 1510), Bramante (1444 – 1514), Rafael (1483 – 1520), Veronese (1528 – 1588), Antonello da Messina (1430 – 1479), Piero della Francesca (1410/20? – 1492), e, um pouco antes, Masaccio (1401 – 1428?), Fra angelico (1387 – 1455). Na literatura, surgiam as obras de Maquiavel (1469 – 1527), Tasso (1544 – 1595), Boiardo (1441 – 1494), Ariosto (1474 – 1533).
Distinguindo-se desses intelectuais e artistas pela variedade e plenitude de sua produção, Leonardo da Vinci (1452 – 1519) equipara-se a Michelangelo na projeção gigantesca que as obras de ambos tiveram como modelos através da história. Não obstante, a arte de Leonardo corresponde a uma cosmogonia aristotélica; a de Michelangelo, por sua vez, reflete concepções neoplatônicas assimiladas na corte de Lourenço de Médici, o Magnífico.
Fonte: Mestres da Pintura, Abril cultural
Fonte: Mestres da Pintura, Abril cultural