"Eu avanço sozinho por caminhos ainda não trilhados."
Corajoso ou covarde, desconfiado ou generoso, rebelde ou dócil, intolerante ou humilde, racional ou supersticioso, atormentado sempre, apaixonado sempre, solitário sempre, Michelangelo escapa a cinco séculos de esforços por catalogá-lo, foge a todos os diagnósticos simplistas - neurastênico, masoquista, desajustado social, hipocondríaco, homossexual, megalomaníaco, visionário - evade-se de quaisquer rótulos, menos de um: gênio.
Raras vezes a designação de gênio terá sido tão apropriada para descrever a potência de uma inesgotável capacidade criadora e a variedade de formas pelas quais ela se exprimiu: escultor insuperável numa época em que Donatello e Verrocchio elevavam a escultura italiana a um nível só antes atingido pelos gregos; pintor que revolucionou a concepção da pintura mural com os afrescos da Capela Sistina, numa época em que Masaccio, Rafaello, Leonardo da Vinci, Paolo Uccello, Botticelli, Ghirlandaio e tantos outros abriam à Europa novos horizontes expressivos; poeta maior no país que viu nascer o soneto - um multiforme e assombroso engenho animava todas as suas manifestações. Sua pintura, suas estátuas, sua poesia, sua correspondência, sua arquitetura, situam-no definitivamente, ao lado do extraordinário Leonardo da Vinci, como o maior nome do Renascimento.
O traço que o distingue imediatamente e o acompanha ao longo de sua vida feita de trabalho e dor é a paixão. Foi com uma intensidade desmesurada e total que se entregou à arte, ao amor, ao próprio desespero. Assim, justamente esse máximo expoente do Renascimento clássico da Itália é no tempo um dos primeiros temperamentos românticos por excelência. Sua personalidade arrebatada comportava uma tristeza inextirpável, um pessimismo e uma melancolia presentes em toda a sua obra e em sua visão do mundo.
Como o albatroz a que Baudelaire comparou o poeta entre os mortais - " suas asas imensas o impedem de avançar" -, Michelangelo foi necessariamente um solitário. Como Beethoven viveria isolado pela incompreensão de seus contemporâneos e pela surdez crescente, como Bach passaria despercebido em toda a sua sublime grandeza entre os alemães do século XVII, Michelangelo foi combatido sem tréguas por todos os que invejavam a grandeza sobre-humana de sua genialidade.
Fonte: Gênios da Pintura Editora Abril Cultural.