À
sua volta existem infinitas formas circulares organizadas a partir de um
mesmo centro. São as mandalas. Essas figuras perfeitas e eternas presentes
em diversas culturas e religiões são veículos na busca de auto-conhecimento
e elevação espiritual. Muitos já descobriram que olhar para elas ou fazê-las
com as próprias mãos é um exercício de paz.
A íris do seu olho, a rosa entreaberta, a mesa de centro, o movimento
ondulante provocado por uma gota de água, a mesa posta para o jantar, a
impressão digital, são apenas algumas
das infinitas mandalas que estão presentes no dia-a-dia. A palavra vem do
sânscrito (antiga língua da Índia) e quer dizer círculo, referindo-se a toda
forma onde círculos se organizam a partir do mesmo centro.
O nome é oriental, mas as mandalas não têm pátria e não são próprias de
determinadas épocas. Estão presentes nas mais primitivas pinturas rupestres,
compõem vitrais e labirintos das catedrais góticas, de templos budistas e
hinduístas, o traçado de cidades antigas do Oriente e Ocidente, servindo como
matrizes para toda a arquitetura sagrada.
Também chamadas círculos mágicos, são símbolos religiosos e integram rituais
de culturas que não têm qualquer ligação temporal ou espacial. Por exemplo,
os índios americanos fazem curas traçando mandalas na areia. Do outro lado do
mundo, no Oriente Médio, sacerdotes islâmicos dançam em círculo no interior
de um templo mandálico. Os budistas contemplam a mandala para aprofundar os
estados de meditação. É essa forma que os leva para mais perto de Deus:
"Elas são gráficos perfeitos e belos. Indicam os caminhos para chegar ao
nosso próprio centro e ao estado de contemplação que permite ver o mundo
exatamente como ele é, sem ilusões. Elas nos lembram que absolutamente tudo é transitório e
dinâmico e, ao mesmo tempo, nos conectam com o que é imutável", explica
Márcio Lupion, professor de arquitetura simbólica da Universidade Mackenzie,
de São Paulo.
No Ocidente, as mandalas recuperaram seu significado a partir de Carl Gustav
Jung, psiquiatra suíço que dedicou décadas de estudos a essas formas em
várias culturas. Ele considerava que as mandalas eram capazes de organizar
nossas funções espirituais, mapear o desconhecido universo inconsciente e
expressar o que é primordial em todos nós: o símbolo da mãe.
MORANDO NA MANDALA
Esse aspecto protetor e central inspirou a arquitetura sagrada, especialmente
nos templos budistas e nas catedrais góticas: "Em Chartres, na França,
há um labirinto traçado no chão. É a mandala que representa nossos instintos,
o plano terreno. Ao chegar ao centro, o olhar se dirige naturalmente para a
rosácea do altar, um vitral que remete às forças celestiais, aos ideais, ao
futuro. Também nos templos budistas, cada elemento arquitetônico refere-se a
um estágio de elevação da consciência", afirma Lupion.
Morar numa dessas construções é uma experiência espiritual marcante. Foi o
que viveu o psicólogo Luiz Antônio Toledo, de São Paulo. Ele passou um mês
trabalhando no monastério budista de Odyan, na Califórnia, Estados Unidos. A
arquitetura obedece aos rigores geométricos da planta, uma mandala traçada
por Tartang Tulku, um dos mais importantes mestres do budismo tibetano:
"O contorno circular do terreno é feito por lagos. Há entradas voltadas
para os quatro pontos cardeais. Nos cantos ficam pavilhões onde estão
quartos, salas, áreas de serviço. Jardins contornam a câmara central, local
de refúgio do mestre. Viver nessa forma perfeita, em que impera o equilíbrio,
deixa mais evidentes as nossas imperfeições, o que deve ser transformado.
Durante todo o tempo, permanece a sensação de que se está fazendo parte de um
trabalho maior, guiado por forças divinas", lembra Luiz.
NA CASA
Mandalas, porém, não são privilégio de espaços sagrados. Estão por toda
parte: "Para percebê-las basta não associar os objetos às suas funções.
Essa forma pode ser visualizada numa mesa posta, onde tudo se organiza a
partir do centro. Ver a Lua emoldurada em uma janela quadrada é outra
mandala. Círculos concêntricos sossegam o olhar e remetem à
contemplação", acredita o psicólogo Luiz. "A casa toda pode ser
organizada a partir da mandala, é isso que faz o Feng Shui, a técnica chinesa
de harmonização de ambientes, pois o próprio ba-guá, figura que define os
caminhos da energia, é mandálico", acrescenta.
Posicionadas estrategicamente, as mandalas podem equilibrar a energia dos
ambientes: "Na porta de entrada, devem ter traçado simples, como os
labirintos. Nas salas onde a convivência é atividade principal, podem estar
em flores, quadros, tapetes. As mandalas com elementos e traçados mais
rebuscados ficam bem diante de poltronas confortáveis", indica o
professor Márcio Lupion. "Não importa a sofisticação da mandala, pode
ser uma imagem de Nossa Senhora, a figura deve conduzir quem observa ao
centro de si mesmo", explica.
EFEITO TRANSFORMADOR
Mesmo que os moradores não tenham consciência dos significados, as mandalas
irradiam energias e emitem ondas eletromagnéticas de várias intensidades.
Dulce Schunck, artista plástica e professora de arquitetura da Universidade
Federal de Brasília, não sabia disso quando começou a produzir mandalas com
tintas naturais e pedras brasileiras: "Amigos radiestesistas mediram com
o pêndulo e constataram que o campo magnético de algumas das minhas mandalas
chegava a 100 m de distância. Cores, formas, minerais e a intenção que uso na
composição geométrica emitem vibrações, que atuam como pontos de equilíbrio
nos ambientes", acredita Dulce. "Algumas são feitas com finalidades
específicas, por exemplo, serenar a mente, causar introspecção ou ativar a
Sexualidade", completa.
Essas formas exercem tanto fascínio e tocam tão profundamente o inconsciente
que algumas pessoas não se contentam em apenas observá-las e passam a
produzir suas próprias mandalas. É o caso de Camila Jabur, astróloga
paulista. Ela começou a fazer mandalas durante uma fase de grande desordem
profissional e pessoal: "As imagens vinham à mente e resolvi
concretizá-las com material que tinha em casa flores secas, lã e fios de
seda. Enquanto ia fazendo a mandala as idéias ficavam mais claras. Depois de
três dias de preparos, comecei a me organizar melhor e senti que tudo fluía
com mais facilidade no trabalho. Foi a primeira coisa que instalei no meu
novo consultório. Sempre que olho para ela tenho noção da minha trajetória e
isso me conforta", diz.
Transmitir serenidade e calma é outra função das mandalas provada diariamente
pela ceramista baiana Silvia Lopes, radicada em São Paulo. Ela passa horas
construindo formas geométricas no barro : "Sou naturalmente agitada e
esse trabalho delicado com a repetição de círculos organizados em torno de um
centro único me tranqüiliza, fico muito centrada. É o meu descanso",
revela emocionada.
O mistério de olhar ou fazer uma mandala é desvendado pelo americano Joseph
Campbell, considerado o maior estudioso de mitologia deste século, em seu
livro O Poder do Mito, ed. Palas Athena: "Fazer uma mandala exige
disciplina para reunir todos os aspectos dispersos de sua vida, encontrar um
centro e dirigir-se a ele. Você tenta harmonizar seu círculo com o círculo
universal".
RITUAL SOFISTICADO
A confecção de imensas mandalas feitas de areia colorida é um dos mais
importantes rituais dos monges budistas tibetanos. Em perfeita harmonia e concentração
total, grupos de até 100 pessoas reúnem-se para criar figuras de grandes
proporções. Sem usar compasso ou régua, com a máxima delicadeza, traçam
composições rebuscadíssimas com detalhes milimétricos: "O trabalho pode
levar dias. Se um erra, tudo é desmanchado. Ninguém reclama, e o ritual
recomeça. É um jeito de meditar e concentrar energia em torno de uma
intenção. O segredo da perfeição é dominar a técnica e agir com o coração.
Depois de pronta, a mandala é desmanchada para lembrar que tudo na vida é
impermanente, uma das bases da filosofia oriental", explica o professor
Márcio Lupion, que já participou dessa experiência.
Texto: Liliane Oraggio – Revisado e acrescentado por Eleonora Vieira
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