Desde sempre o homem vem sendo seduzido pelas narrativas que, de maneira simbólica ou realista, direta ou indireta, falam da vida a ser vivida ou da própria condição humana.
Os contos representam uma das expressões mais significativas da ânsia permanente de saber e ter domínio sobre a vida que caracteriza o homem de todas as épocas.
Suas raízes ou fontes geradoras têm origem universal estando presentes em textos que nasceram séculos antes de Cristo, na Índia, no Egito, na Palestina, na Grécia, no Império Romano, na Pérsia, Turquia e Arábia.
Nos contos de fadas o sagrado e o profano, o trágico e o humorístico se encontram; seres estranhos, bruxas, fadas, dragões, varinhas de condão, castelos e reinos enfeitiçados, existem fora da lógica real do tempo.
“Era uma vez......num reino encantado...... e viveram felizes para sempre....”
Quando?
Aonde?
Não perguntamos. Apenas entramos neste tempo e neste espaço indeterminados e recriamos as imagens descritas de forma simples e precisa. Nos contos de fadas tempo e espaço não se submetem à nossa concepção, de tempo linear, regida pela física clássica.
O tempo narrativo pode ser retardador, cíclico ou imóvel; - na Bela adormecida o tempo aparece imóvel, tudo dorme “até mesmo os espetos no fogo cheios de perdizes e faisões, haviam adormecido, e bem assim o fogo”. (Perrault) – Sheherazade conta uma história na qual se conta uma história, na qual se conta outra história, assim por diante, num tempo interminável. Encadeando uma história na outra, interrompendo-a em dado momento, salva sua vida.
Muitos contos trazem a repetição, obstáculos a serem superados, que se constituem num grande prazer para as crianças que ficam à espera destas situações, frases ou fórmulas.
Ítalo Calvino apreciava os Contos de Fadas e populares por seu estilo e estrutura: negligenciam detalhes inúteis, são econômicos, possuem ritmo e lógica. É sempre uma luta contra o tempo, contra os obstáculos que impedem ou retardam a realização de um desejo. O segredo da narrativa, então, encontra-se no ritmo, na continuidade e descontinuidade do tempo.
Segundo Regina Pinheiro a fantasia vivida por uma criança em um conto de fadas é essencial para uma evolução saudável de seu psiquismo, pois através deles poderá construir relações mais interativas com a sociedade e enriquecerá seu imaginário.
Assim, o conto tem além de funções lúdicas e pedagógicas, uma função terapêutica por facilitar o encontro de uma solução para conflitos internos, através da contemplação dos conteúdos e mensagens sugeridas pelas histórias escolhidas. No conto há espaço para a fantasia e para identificações que cada um possa realizar para si, a partir dos elementos que a história revela sobre a natureza humana.
O conto contado vem perdendo muito espaço em nossos dias. A falta de tempo dos pais, a pouca convivência com as avós, vem retirando das crianças o encontro com o “contador de histórias”. As escolas, dentro de sua função educativa, incentivam o acesso ao livro, portanto as histórias, via de regra, não são contadas, mas lidas. Entretanto, principalmente para os menores – 02 a 06 anos – deveria haver um empenho em resgatar a história contada com o objetivo de estabelecer a relação inicial com a palavra oral – homem/homem. As fitas, cds, os vídeos e os livros não substituem as sensações, imagens e fantasias despertadas pela voz e expressões corporais e faciais do contador de histórias.
VAMOS CONTAR HISTÓRIAS?
Era uma vez.......
Será que é suficiente no mundo das imagens prontas, apenas narrar histórias? Não será necessário gostar do mundo de faz de conta e acreditar na importância dos contos?
Para contar contos é preciso sensibilidade para cativar a “platéia”, criatividade, habilidade para improvisar, imaginação, observação e boa percepção para a escolha das histórias e dos recursos a serem utilizados.
Cada contador definirá o seu estilo. Há os que apenas utilizam os recursos vocais, os gestos e as expressões faciais; outros acrescentam recursos externos – instrumentos musicais, fantasias, máscaras, fantoches, cenários. Tudo é válido desde que se tenha em mente os objetivos a serem alcançados de acordo com a faixa etária a que se destinam.
De qualquer forma é muito importante o estabelecimento de uma rotina, de uma ritualização para a hora da história, principalmente porque as crianças de nossos dias desaprenderam a simplesmente ouvir histórias. Nosso objetivo inicial é ir retirando-as aos poucos do mundo visual, pronto, explícito, para introduzí-las pela voz humana, no mundo da imaginação, da criação de suas próprias imagens sobre o que está sendo contado. Com o tempo as interrupções, a falta de concentração, o desinteresse, a “bagunça”, darão lugar à atenção, harmonia e silêncio que os contos propiciam.
· VOZ
Instrumento de onde se retira o ritmo da história. Buscar a “melodia” implícita na voz, evitando mantê-la presa a uma única modulação, principalmente quando perceber que está começando a haver dispersão. A manutenção de um padrão modular da voz muitas vezes leva ao sono – se monótona – ou à dispersão e inquietação se agitada. A voz também é responsável pela transmissão dos sentimentos e emoções contidas na história; se o contador não se identifica com os conteúdos da história, se não a sente, não passará veracidade para as crianças que são altamente perceptivas em relação ao interior do adulto.
· CORPO
Procurar manter uma boa expressão corporal, (não esquecer mãos e rosto) evitando excessos. O objetivo é uma gesticulação expressiva.
· MOVIMENTO
Os contos podem e devem também ser apresentados em movimento, quando todos imitarão os gestos do contador de histórias. Esta forma de contar contos também é ótima para poesias e versinhos. Aqui, mais do que em qualquer outro lugar, o ritmo estará presente.
O defeito do narrador encontra-se na ofensa ao ritmo, na expressão não apropriada dos personagens e da ação.
O segredo não está na mão do contador, mas na possibilidade de mexer com a imaginação.
Texto elaborado por Eleonora Fonseca Vieira para uso no curso Conta um Conto!, realizado no Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem – CPPL, dirigido a professores da rede particular de ensino, no ano de 2000.
Bibliografia utilizada:
Ângela Philipinni, Revista Diálogo Médico
Rachel Barda, Revista Educação 56 – 2000
Ítalo Calvino, Seis Propostas para o próximo milênio.